O período de estado de emergência em várias partes do mundo fez com que boa parte da humanidade passasse a viver quase que 24 horas por dia dentro de casa, junto aos demais familiares.
Até o surgimento da pandemia era comum ouvir lamentações como “se eu tivesse mais tempo para estar junto da minha família…”, entre as muitas razões apontadas para a nossa felicidade não ser perfeita e completa.
A família é muito importante para o bem-estar e felicidade humana, e pode ser considerado o alicerce para uma vida digna.
Mas, após a pandemia, quem vai ter coragem de dizer que “família é tudo, que eu gostaria de passar mais tempo com a minha, que se isso fosse possível eu seria mais feliz”?
Obviamente, isso não quer dizer que estar com a família não seja uma felicidade. Com certeza é. Mas o que precisamos refletir é se isso realmente é suficiente para que a nossa felicidade seja completa e plena.
Neste sentido, a pandemia trouxe várias reflexões e aprendizados relevantes. Entre eles, que a nossa felicidade ou infelicidade não está em “ter ou não ter”, “estar ou não estar”; que a questão e o conceito de felicidade é muito mais profundo do que “fechar os olhos, ter pensamentos positivos, estar em paz e sentir-se bem”.
Partilhamos um trecho do vídeo da CNN Brasil, do Especial “O mundo pós-pandemia – Relações pessoais”, com comentários muito interessantes de Leandro Karnal (historiador da Universidade de Campinas, Brasil), sobre o tema.
Há mais de 2600 anos, a filosofia budista já explicava sobre o conceito de felicidade, a partir do ensinamento de que “ter ou não ter são a mesma coisa”, pois em qualquer dessas duas condições, nossa incapacidade de solucionar totalmente o sofrimento não se altera.
Se não possuímos, sofremos por não possuir. Se temos, sofremos exatamente porque temos. Por exemplo: quando não têm filhos, sofrem por não tê-los e desejam ter. No entanto, se têm filhos, sofrem por causa desse filho.
Se não temos, somos infelizes. E, se temos, sofremos por ter. Por isso, Shakyamuni explicou que quem possui bens materiais está preso com uma corrente de ouro, e quem não tem posses está preso com uma corrente de ferro. Seja qual for o material das correntes, o sofrimento por elas causado é igualmente real.
No livro “Porque vivemos”, o professor de budismo Kentestu Takamori escreveu sobre esta questão da seguinte maneira:
“Hoje as pessoas gozam de um nível de riqueza e de conforto de que nunca se ouviu falar nos séculos passados. Os muitos avanços médicos e científicos permitem ao ser humano viver mais e ter maior capacidade de transformar e de controlar o meio ambiente para fazer face às suas necessidades. Mas será que todos esses avanços trouxeram mais felicidade?
A sociedade moderna é ameaçada por males como a violência nas suas muitas formas, incluindo a tirania, o terrorismo, o assassínio e o suicídio. A solução para tais problemas continua a estar totalmente fora do nosso alcance.
O progresso tornou-nos mais ricos, mas não garante a nossa felicidade, nem nos fornece uma sensação sólida de que os avanços foram significativos. Pelo contrário: parece que a vida moderna provoca sentimentos mais agudos de isolamento, solidão e vazio. Por que razão, embora gozemos de saúde e de um estilo de vida confortável, não conseguimos encontrar a paz interior?
Siddhartha Gautama (Shakyamuni) abordou esta questão há mais de 2600 anos e pregou o ensinamento que hoje é conhecido como Budismo.
As lições ensinadas pelo Buda Shakyamuni são verdadeiras e transcendem tempo e espaço. Somos todos vulneráveis à devastação da doença repentina que pode atingir um ente querido ou nós mesmos. E, apesar de podermos mergulhar no trabalho ou na prática de um hobby, um dia a velhice impedirá que desfrutemos de tais atividades. Além disso, ao morrer, teremos de nos separar daqueles que amamos.
O que existirá, na vida, que nunca nos vai trair, algo a que nos possamos dedicar sem remorsos? Ao longo de toda a sua existência, Shakyamuni ensinou que o propósito da vida não é mais do que conquistar a eterna e inabalável felicidade. A essência dessa mensagem foi divulgada no Japão por Shinran (1173–1263).Shinran indicou o propósito da vida e insistiu na urgência da sua realização com incomparável clareza: o propósito universal da vida consiste em destruir a raiz do sofrimento e conquistar a imensa alegria de estar vivo, para que se possa alcançar a grande alegria de ter nascido humano e viver em eterna felicidade. Por mais dura que seja a sua vida, siga em frente, até atingir esse propósito. As nove décadas da vida de Shinran foram exclusivamente dedicadas a essa mensagem.
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