O conceito de bem e mal pode variar de uma cultura para outra e ao longo do tempo, dentro de uma mesma cultura ou país. Apesar de vivermos numa mesma época e país, a visão sobre o que é certo e o que é errado nem sempre coincidem e a opinião de cada um pode até ser totalmente oposta.
Por exemplo, a sinceridade é, pelo senso comum, considerada uma qualidade em qualquer pessoa. Ou seja, ser sincero é considerado algo bom, uma boa ação. Mas será que dizer sempre a verdade, falar exatamente o que pensamos é sempre a melhor opção? Se analisarmos com mais calma e cuidado, veremos que ao dizer a verdade podemos até sermos cruéis.
“Mas que pessoa mais inconveniente e irritante!”, “Essa pessoa está muito mal vestida”, “Seu bebé não é muito gracioso”, “Toda gente vai agradecer e ficar aliviada quando você não estiver mais aqui”.
Quem nunca teve esses tipos de pensamentos?
O que acontecerá se falarmos com toda a sinceridade tudo o que pensamos para as pessoas?
Ser sincero, pode muitas vezes, ferir o sentimento das pessoas. Por esta razão, a filosofia budista explica que, na realidade, não sabemos, a rigor, o que é certo e o que é errado.
Em outubro de 1972, um pequeno avião levando membros de um time de rúgbi de uma universidade do Uruguai, acompanhados de amigos e parentes, caiu numa encosta gelada dos Andes. Mais da metade dos passageiros sobreviveu, mas não havia comida, nem água, nem roupas para protegê-los do frio. A situação ficou ainda mais grave quando as equipes de resgate desistiram da busca.
Sem ter o que comer e já no limite, entre a vida e a morte, os sobreviventes recorreram ao canibalismo. Setenta e dois dias depois, dezesseis pessoas foram resgatadas vivas, e esse acontecimento ficou conhecido em todo o mundo como “o milagre dos Andes”.
Episódios históricos como este produzem arrepios de horror na espinha, mas o que faríamos se estivéssemos no lugar deles? Como agiríamos? Neste caso, o canibalismo foi bom ou mal? Temos algum direito de julgar? Não podemos deixar de questionar com hosnestidade a nossa própria conduta.
Sempre que uma celebridade é envolvida num escândalo ou quando acontece algum crime sem precedentes, a sociedade se agita e expõe um coro de críticas: “Impensável!”; “Que tipo de pessoa faria tal coisa?”, e assim por diante. Estão todos pensando e julgando da perspectiva da vítima, claro, mas será que existe alguém tão infalível, cuja possibilidade de cometer um crime seja realmente nula?
O psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) escreveu em seu livro “The undiscovered self” (O eu não descoberto): “O mal que, sem dúvida, vive dentro do ser humano é de proporções gigantescas”.
Também sobre esta constatação da natureza humana, Shinran (1173-1263), um grande mestre do budismo no Japão, disse: “Não sei o que é o bem, nem sei o que é o mal. Não faço a menor idéia”. E declara, segundo suas palavras no livro “Tannisho”, que “Induzido pelas condições inevitáveis, eu, Shinran, sou capaz de fazer qualquer ato”. Nesta frase, Shinran diz que o ser humano é, em potencial, propenso a qualquer ação, por mais abominável e arbitrária que seja. Ele aponta que não há ato do qual não seja capaz, pois tudo vai depender das condições em que estiver.
Saber e ter consciência dos limites da capacidade, compaixão e sabedoria humana, por mais inconveniente que seja, também é um fator essencial para a verdadeira felicidade. Este é um dos sábios ensinamentos deixados pelo Buda Shakyamuni, há mais de 2600 anos, mas que continuam sempre atuais, pois a essência do ser humano continua sendo a mesma, desde quando passamos a habitar este planeta.
Leia também o artigo “O desejo de ser feliz é inerente ao ser humano” e os temas centrais da resposta apresentada pela filosofia budista à questão essencial da vida e do ser humano no livro “Porque vivemos”.
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