Quando ainda era estudante, vivíamos num período em que o caos do pós-guerra se tinha amenizado um pouco. Fui convidado a dar uma palestra e teria de viajar mais de dez horas de comboio para chegar ao local.
Estava completamente exausto. Quando vi a plataforma cheia de passageiros, pensei: «se ao menos conseguisse um lugar para me sentar.»
O comboio parou na plataforma, entrei à pressa e por sorte encontrei um lugar vazio. Aliviado, acomodei-me. A cada estação o comboio enchia mais. Os passageiros de pé ocupavam até mesmo os espaços entre os assentos.
Pouco depois, vi uma senhora idosa a ser empurrada e a parar à minha frente. Sempre que o comboio balançava com intensidade, ela cambaleava exageradamente e quase caía em cima de mim, como se me pedisse para lhe ceder o lugar. Senti que ela pensava: «és um estudante ainda jovem. Olha para mim: sou uma velha cansada…»
Com dor na consciência, pensei com os meus botões: «a viagem é longa. Consegui este lugar a muito custo. Por favor, coloque-se na minha posição!»
De repente, no banco à minha frente, vi que um cavalheiro de meia-idade me fitava como se dissesse: «és um jovem estudante. É óbvio que devias ceder o lugar a esta senhora.»
Fiquei revoltado e respondi em pensamento: «o senhor tem bigodes, mas ainda não é velho. Se está tão preocupado com esta senhora, por que razão não lhe cede o seu lugar?» e propositadamente virei o rosto para a janela, ignorando o olhar que ele me lançava.
A senhora idosa continuava a cambalear, o cavalheiro de bigode continuava a criticar-me com o olhar e a dor na consciência pesava-me como um fardo.
«Vou ceder o meu lugar com dignidade. Talvez me sinta melhor», pensei. «Se me levantar, a senhora ficará contente e agradecer-me-á várias vezes. O cavalheiro de bigode ficará satisfeito e as pessoas em redor vão olhar para mim com admiração.»
Então levantei-me e, com um gesto cortês, disse alto: «por favor!»
Mas que deceção! Ela não demonstrou nenhuma alegria. Calada, sentou-se sem nada dizer. Olhei para ela e o meu coração encheu-se de arrependimento: «que mulher sem escrúpulos. Não sei como conseguiu sobreviver até hoje», pensei.
Frustrado pela falta de reconhecimento, dentro de mim ralhava secretamente com o cavalheiro de bigode: «falar é fácil, fazer é difícil. Quem muito fala pouco faz!»
Nesse momento ouvi uma voz a dizer-me:
«Os bons atos que pratico são contaminados com veneno e, por isso, considerados boas ações não verdadeiras.»
(Relato do Professor Kentetsu Takamori, no livro “Educar com sabedoria – Histórias para aprender e ensinar”)
Dizemos que queremos ajudar e “fazer a diferença”, porém colocar isso em prática não é uma tarefa simples. Quando achamos que praticamos um bom ato, e os beneficiados não respondem com um gesto de reconhecimento ou um simples “obrigado”, ficamos imediatamente incomodados. A generosidade transforma-se em indignação: “Depois de tudo o que fiz por você!”. A partir de então resolvemos nunca mais levantar um dedo para ajudar essa pessoa.
O ideograma japonês para “hipócrita” indica “alguém que faz o bem dizendo que é pelos outros”. Sabemos que a alegria de dar é maior que a de receber; jamais conseguimos esquecer da doação que fizemos.
Se doamos dinheiro aos destituídos e não recebemos agradecimento, ficamos ofendidos e nossa insatisfação cresce na proporção da quantia oferecida. Isso porque, dentro de nós, presentes grandes representam imensa bondade.
Quanto mais nos esforçamos para sermos verdadeiramente bons, mais tomamos consciência da profundidade da nossa verdadeira natureza, mais somos levados à autorreflexão e a nos empenhar cada vez mais na prática das boas ações, a fim de superar nossa tendência natural ao egoísmo.
Este é o caminho indicado pela filosofia budista e a razão pela qual Shakyamuni, o Buda, ensinou durante toda a sua vida a prática das boas ações: beneficiar as pessoas e, ao mesmo tempo, a si próprio.
Vamos praticar boas ações, todos os dias!
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