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Em 16 de setembro de 1890, os cerca de seiscentos tripulantes da fragata turca Ertugrul foram surpreendidos por um tufão próximo à ilha de Oshima, Japão. Ondas colossais atingiram o navio até a noite, quando foram arrastados para a costa japonesa de Kashinozaki. Sob enfurecida tormenta, o Ertuğrul naufragou e sua tripulação ficou à deriva na escuridão absoluta do mar. 

Alguns nadaram e alcançaram a costa; destes, quem ainda tinha forças caminhou em direção à luz projetada do desfiladeiro junto ao mar. Ainda surpreso pelas batidas na porta, o faroleiro descobriu nove estrangeiros ensanguentados e seminus. 

As palavras eram um enigma, mas não as evidências. Ofereceu os primeiros socorros e se precipitou em busca de ajuda na aldeia próxima, já sobressaltada com a insólita explosão. Ressabiados, os camponeses descobriram os estrangeiros prostrados na praia. Regressaram e o povoado foi posto em estado de alerta: os homens partiram em missão de resgate. Semiconscientes e hipotérmicos, os feridos foram carregados para a escola e o templo. 

— Rápido, tirem suas roupas! 

Os aldeões deitaram os náufragos sobre edredões e, em turnos, trataram de restabelecer suas temperaturas com os próprios corpos. 

Oshima era uma ilha isolada e o vilarejo, afastado — contava, se muito, com algumas centenas de casas. A falta de remédios foi compensada com a vigília constante dos médicos e a insuficiência de provisões, com o acesso ao fundo de emergência, que era composta de galinhas a batatas-doces. 

Ao final, os 69 náufragos resgatados sobreviveram. 

Em quatro dias, um navio aportou em Oshima e transferiu os estrangeiros para um hospital em Kobe. Recuperados, foram conduzidos à Turquia. 

O diálogo entre japoneses e turcos foi, se muito, superficial. No entanto, quão profundo foi o laço estabelecido! 

Quase um século depois, quem esperaria a retribuição de tão remota gentileza? 

***

17 de março de 1985. A Guerra Irão-Iraque se intensificava e, num repente, Saddam Hussein (1937-2006) decretou que, em 48 horas a partir daquele instante, o céu iraniano se tornaria zona de exclusão aérea — todos os aviões seriam considerados inimigos e, assim, abatidos. A sentença instaurou pânico nos cerca de quinhentos japoneses em Teerã, capital do Irão. Caso permanecessem no país, as chances de serem engolidos pela guerra eram altas. 

Era necessário escapar, e rápido. No entanto, onde encontrar um avião disposto a embarcá-los? Por se tratar de um estado de emergência, todos os assentos das companhias aéreas estavam previamente ocupados por cidadãos dos respectivos países de origem. As companhias aéreas nipónicas não operavam em céus iranianos, e não havia uma aeronave sequer que priorizasse os japoneses. 

No dia 18 seguinte, aproximadamente metade dos japoneses aglomerados no aeroporto conseguiu, com muita dificuldade, embarcar. Restavam menos de 24 horas, e nenhum avião descolara do Japão em missão de resgate. O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão demorou em tomar providências e as companhias aéreas locais se recusaram por motivo de segurança. Muito se especulou, mas fato era que mais de duzentos japoneses foram abandonados em área de risco. 

Enquanto se apontavam culpados, uma aeronave turca cortou os céus do Irão e resgatou os perplexos japoneses. 

***

Por quê?

A resposta estava no naufrágio do Ertugrul, há mais de um século. Os turcos jamais esqueceram a gentileza e consideração recebidas dos japoneses na ocasião: o acontecimento consta em livros de História e, mesmo entre as crianças, não há quem desconheça esse episódio histórico, transmitido por gerações. 

Mesmo sem comunicação verbal, corações cordiais e amáveis são capazes de emocionar de forma profunda e duradoura. Se todos forem capazes de considerar o próximo e valorizar a vida, a exemplo dos habitantes de Oshima, a harmonia prevalecerá no mundo. 

O naufrágio do Ertugrul é um episódio histórico para guardar no coração e colocar em prática nos nossos dias atuais.

Leia também o artigo Colocar-se no lugar das pessoas: uma sensibilidade humana essencial.

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Autor de vários livros japoneses de contos, narrativas e romances históricos, típicos da milenar cultura japonesa. Diretor-presidente e editor-chefe da Ichimannendo Publishing Co. Ltd. e vice-presidente da ITIMAN.

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