Na fábula sobre a natureza do ser humano, descrita no Sutra das parábolas, Buda Shakyamuni ensina que fazemos uma viagem ininterrupta pelo tempo. Para entendermos melhor, vejamos as semelhanças que existem entre a vida e uma viagem.
Numa viagem, transitamos por terrenos planos e íngrimes, passamos por vales e montanhas, ou seja, temos altos e baixos como na vida. Vivemos momentos felizes e tristes, temos surpresas agradáveis e deceções.
A filosofia budista ensina que “para todo encontro, com certeza haverá o momento da separação”. Ninguém deseja, mas é uma realidade que todos nós teremos que enfrentar algum dia.
Podemos comparar a nossa vida com uma viagem de comboio. Ao nascer, somos colocados para dentro do comboio que já estava em movimento. Não sabemos para onde vamos ou em que estação vamos descer.
Ao entrar na carruagem, encontramo-nos com várias pessoas: inicialmente nossos pais, irmãos, familiares e, posteriormente, nossos amigos, esposa, marido, filhos e conhecidos. Enquanto estamos a bordo, conversarmos, nos divertimos, comemos e dormimos. Tudo vai bem e somos felizes. Porém, infelizmente, não será sempre assim. Certamente chegará o momento em que essas pessoas terão que desembarcar e irão se despedirão de nós, um a um. Ou ainda, nós é que teremos que descer desse comboio e deixar para trás esposa, marido, filhos e amigos.
Então pensamos, por que iniciamos e estamos a fazer essa viagem? Seria apenas para viver momentos agradáveis e felizes dentro da carruagem? Em que estação almejamos chegar?
Qualquer viajante sabe a razão de fazer a viagem. Ao entrar em um taxi, a primeira coisa que falamos ao motorista é para onde queremos ir. No entanto, o ser humano faz a sua viagem ao longo do tempo sem saber por que ou para onde está indo.Vivemos sem saber da razão da nossa existência.
E nessa viagem o tempo parece passar cada vez mais rápido. É como se no início estivéssemos a bordo de um comboio urbano, que para em cada estação. Ao entrar na juventude, a viagem torna-se mais rápida e passamos a viajar num comboiointercidades. Na fase adulta, entramos a bordo de um comboio alfa pendular. Na terceira idade, sentimos o tempo voar, como se estivéssemos dentro do mesmo comboio alfa pendular, mas agora sem freios.
Onde esse comboio vai parar? Afinal, por que vivemos?
São muitos os questionamentos que temos na vida. A analogia do ser humano com um viajante tem exatamente esse objetivo: proporcionar a reflexão sobre a existência humana e buscar respostas para questões que vêm sendo discutidas desde que nos conhecemos como gente.
O Buda Shakyamuni ensina nessa fábula que fazemos a nossa viagem pelo tempo solitariamente. Somos viajantes solitários.
Dentro do Grande sutra da vida infinita, Shakyamuni expressou-se da seguinte maneira sobre essa realidade humana:
“O ser humano nasce só e morre só. Viemos para este mundo (vida) sozinhos e, por isso, também partiremos sozinhos”
Isso significa que ao longo de toda a nossa vida, também somos solitários.
Mas essa solidão não é física, de não ter família ou amigos ao redor, mas sim, é uma solidão do nosso eu interior, da alma.
A filosofia budista indica exatamente o caminho para a solução dessa solidão e afirma que isso é possível nesta vida, para pessoas de qualquer época, independentemente de nacionalidade, cultura, gênero, classe social ou nível intelectual.
Cada pessoa vive em seu próprio mundo, que ela mesma criou. A maneira de pensar, interpretar e sentir o mundo e os factos da vida difere de uma pessoa para outra pois depende do aprendizado e formação pessoal e intelectual, além das experiências vividas ao longo da vida. Por isso, cada pessoa enxerga o mundo à sua maneira.
Tudo depende do “tipo de lente” que utiliza para ver as coisas.
O trecho abaixo, do livro “O mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder, é bastante ilustrativo.
“Sofia pôs os óculos. Tudo o que estava à sua volta se tornou vermelho. As cores claras ficaram vermelho claro, as escuras, vermelho escuro.
– O que é que vês?
-Vejo exatamente o mesmo que antes, mas agora é tudo vermelho.
– Isso se deve ao fato de as lentes determinarem o modo como vês a realidade.
Tudo o que vês é uma parte de um mundo exterior a ti mesma; mas o modo como a vês está relacionado com as lentes. Não podes dizer que o mundo é vermelho, mesmo que te pareça vermelho.
– Não, claro que não…
– Se tu andasses agora pelo bosque – ou se estivesses em casa na Curva do Capitão, verias tudo aquilo que sempre viste. Mas tudo o que visses seria vermelho.
-Desde que eu não tirasse os óculos, sim.
– Os óculos são a condição do modo como vês o mundo. E do mesmo modo, segundo Kant, também existem condições na nossa razão que influenciam todas as nossas experiências.”
Cada um vive no mundo projetado pelas próprias “lentes” da educação recebida desde a infância e de todas as experiências vividas até hoje. Como cada pessoa nasceu, cresceu, foi educada de maneira diferente e teve experiências de vida diversas, naturalmente a “lente” de cada um é diferente. Mesmo sendo irmãos, marido e mulher, pais e filhos.
Lentes parecidas existem, mas jamais duas exatamente iguais. Por isso, nessa vida não há ninguém que nos compreenda totalmente, que entenda o nosso pensamento e sentimento em sua totalidade. Mesmo estando cercado de pessoas que nos amam e nos querem bem. Essa é a solidão do nosso eu interior representada pelo viajante solitário da fábula do Buda Shakyamuni.
A filosofia budista explica em detalhes e de maneira muito profunda o processo de criação do mundo no qual cada um de nós vivemos e como as nossas ações dão origem aos carmas, e consequentemente, a cada acontecimento do nosso cotidiano, criando então o mundo cármico no qual vivemos todos os dias, cada momento de nossas vidas.
O vídeo da fábula criada pelo buda Shakyamuni sobre a natureza do ser humano pode ser vista em:
A explicação completa sobre o significado da fábula é feita no curso introdutório de budismo “A natureza do ser humano”, oferecido por Mauro Nakamura).
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Osvaldo
Gostei muito do livro aprendi bastante